Profissionais da Rede Sesa destacam desafios na rotina de trabalho e a importância da inclusão nos serviços de saúde

28 de junho de 2024 - 09:09

Assessoria de Comunicação do HRVJ e HSJ
Texto e fotos: Joelton Barboza e Bárbara Danthéias
Arte gráfica: Iza Machado

Finalizando as matérias especiais “Saúde de Todas as Cores”, trazemos histórias de superação e conquistas de profissionais da saúde que integram a comunidade LGBTQIAPN+ e contribuem diretamente com o serviço à população. Ocupando lugares de destaque em unidades como o Hospital Regional Vale do Jaguaribe (HRVJ) e o Hospital São José (HSJ), ambos da Secretaria da Saúde do Ceará, os profissionais afirmam que ser LGBTQIAPN+ enriqueceu o senso crítico e proporcionou uma atuação que busca a inclusão completa do paciente no ambiente hospitalar.

Natural da zona rural do município de Morada Nova e nascido em uma família de pessoas humildes, Felipe Freitas, 30, é assistente social especialista em políticas e em gestão em saúde pública e está como coordenador do Serviço Social no HRVJ, em Limoeiro do Norte. Felipe é um homem gay e conta que, desde a infância, percebia que era tido como “diferente”, pois gostava de estar junto das meninas e tinha pouca proximidade com aquilo que era designado para os meninos.

Terminado o ensino básico, em 2013 Felipe se mudou para Fortaleza, onde iniciou o curso de nível superior noturno, com financiamento pelo governo federal. Segundo ele, a formação em Serviço Social trouxe um entendimento crítico da realidade, fazendo com que passasse a se ver como cidadão de direito, assim como enxergar o outro com igualdade de direito. “Isso faz com que eu consiga ter uma atuação que visa a inclusão, por pertencer à comunidade LGBTQIAPN+ consigo identificar pontos de melhorias nos discursos, conteúdos, procedimento e fluxos, para que nossa comunidade não sofra ainda mais em um espaço público, que é para ser um ambiente acolhedor”, detalha.

Para o infectologista no HSJ, Luan Victor Lima , a paixão pela Medicina surgiu ainda na infância. Seu grande sonho, desde criança, era cuidar de pessoas. “Não tenho pais médicos, ninguém da minha família é médico. Foi algo mesmo intrínseco, nasceu comigo. Sempre que eu ia ao médico, eu o observava atuando e aquilo me deixava admirado: um dia, eu quero vestir um jaleco e fazer o que essa pessoa faz”, relata.

O fato de ser um homem gay poderia ter se tornado uma barreira ao longo de sua formação profissional, algo sobre o qual seus pais o alertaram tão logo Luan contou sobre sua sexualidade para eles. No entanto, isso o fez aproximar-se ainda mais do público LGBTQIAPN+, que compõe grande parte dos pacientes que hoje Luan atende como infectologista. “Muitos, quando passam em consulta comigo, me falam: ‘hoje eu sei que posso casar, ter filhos e sonhar com isso’”, conta o médico, que é casado com o também infectologista Bruno Pinheiro. Em dezembro de 2023, os dois tiveram um filho, Levi.

Durante a graduação, Luan havia decidido que, independentemente da especialidade que escolhesse, focaria sua atuação nessa população. “É muito bom quando você vai ao médico e se identifica com ele, porque você troca, tem mais acesso e fala tudo o que quer falar com mais facilidade”, observa. Hoje, Luan afirma ser muito bem resolvido com sua sexualidade, nunca tendo sido alvo de qualquer preconceito. “Eu acho que, se um dia eu sofresse preconceito, eu saberia muito bem enfrentar, mas porque eu tive uma base familiar e pessoas que sempre me apoiaram”, pondera.

Se a paixão por cuidar de pessoas surgiu ainda na infância de Luan, para Willian Gomes, a fisioterapia meio que “caiu de paraquedas” em sua vida, nas palavras do próprio fisioterapeuta do HSJ. Ex-atleta e jogador de vôlei, Willian conheceu o trabalho da fisioterapia após se lesionar no esporte e acabou se encantando pela profissão.

“Você vê aquele paciente — que se encontrava à beira leito, fraco, e precisava de ajuda para tudo — voltar a andar, escovar os dentes, pentear cabelo e tomar banho sozinho. A dependência vai diminuindo e o humor melhorando, e isso está diretamente relacionado à melhora do paciente: quando ele se encontra feliz, ele tem estímulo para fazer fisioterapia e receber as medicações, tendo um prognóstico melhor. Essa é a parte pela qual eu sou mais apaixonado na fisioterapia hospitalar”, declara.

Fisioterapeuta há seis anos, Willian já enfrentou algumas situações de preconceito ao longo de sua trajetória profissional por ser assumidamente gay, sobretudo com pacientes mais idosos. “Eu estou ali para dar toda a minha atenção e o meu conhecimento, e se o paciente que não aceita porque tem preconceito, quem perde é ele, na verdade. Ele pode falar para mim que não quer meu atendimento porque sou gay, e eu vou continuar com meu emprego e meu respeito no trabalho, e ele é quem não vai receber o melhor que eu tenho para ele”, destaca.

Por outro lado, a sua sexualidade aberta também costuma deixar pacientes gays e transexuais mais à vontade. “Quando eles veem que estão sendo acolhidos do jeito que são, eles se abrem e se permitem mais. Alguns chegam tão calados, eu solto uma gíria ou piada, e eles percebem que eu entendo daquilo e que eu estou no mesmo lugar que ele, digamos assim. Eles entendem que não estão sozinhos e acabam tendo um pouco mais de respeito, até”, compartilha.

Natural do Maranhão, Victor Raynan sempre quis ser médico, mas acabou optando pelo curso de Enfermagem ao prestar vestibular. Já no terceiro período da graduação, ele teve a certeza de que não se arrependeria da escolha. “Hoje eu gosto muito de ser enfermeiro e entendo muito bem qual é a minha profissão dentro do hospital. O enfermeiro coordena o cuidado com o paciente: eu tenho que estar sempre preocupado se o que vão fazer com ele vai interferir no tratamento de outro médico, fisioterapeuta ou nutricionista.”, explica.

Casado há dois anos com outro homem, Raynan conta que sua sexualidade sempre foi aberta e que nunca sofreu preconceito na família ou no ambiente de trabalho. No Hospital São José, ele mantém uma boa convivência com todos os colegas e busca, no dia a dia, orientá-los sobre algumas práticas de combate ao preconceito, como o uso do pronome correto no atendimento a pessoas trans.

“São pessoas que se identificam de forma diferente, você só tem que respeitar a identidade delas, e é assim que eu tento trazer para a equipe que está comigo no dia. A gente tem que se colocar um pouco no lugar do outro, e eu tenho certeza de que isso interfere muito na forma como a pessoa percebe que vai ser assistida”, pontua.

Ele acentua ainda a importância de fomentar iniciativas e projetos de pesquisa voltados para o público LGBTQIAPN+. “Eu tenho um amigo, em Pernambuco, e olha que legal: ele atende pessoas com útero. Pode ser uma mulher, pode ser um homem trans. Ele direcionou os estudos para a saúde da população LGBTQIAPN+”, relata.